domingo, 19 de dezembro de 2010

Baú

Dizem que a morte não dói. Não dói se ela se dá dormindo nem se o propósito é realmente fatal. Mas, que mentira! Dói, sim. E perfura o coração, o flechando até que a última gota de sangue role no chão. Dói de um jeito tão estranho, incômodo. Dói de forma que os sentimentos pelos outros tornam-se indeléveis, mesmo que fossem um pó.
Um pó é o que me sinto quando volto a lembrar das tardes quentes, que beijavam a boca do mar, mas o esqueciam quando tinha que pôr o sol. Amantes passageiros, mas dias e tardes trocando segredos e promessas que ninguém jamais vai entender. O sol iluminava as tardes, e o mar era mais que gotículas azuis misturadas com o pranto dos que usam o oceano para encher, e transbordar. O amarelo, misto de laranja, era um complexo do azul que juntos contrastavam as tardes com borboletas coloridas voando em torno de quem as enxergava. E quem as apreciava, nestes verões da infância e da juventude que as gotas levaram com sua correnteza. Levaram para bem longe, dizendo nunca mais voltar. Mas elas voltam, sim, todos os dias! Voltam para dizer que já se foram, para gozar de quem não as viu passar. Voltam para os sonhadores, que só imaginam as vendo retornar, contra a correnteza, para confrontar as amplitudes do céu e do mar e chegar até aqui. Para que sejamos felizes novamente. Para que demos valor à elas. Para reconstruir os sonhos mais belos que, um dia, guardamos no fundo de um baú.
E depois vemos o baú: ele tem um buraco no fundo, bem no fundo. E as lembranças já não passam de sonhos perdidos no vento do litoral. Misturadas com outras lembranças, compartilhadas com distintas expressões que se modificam nestes temporais. Aí, sim. Aí juram não voltar! E se perdem no oceano, dando mais uma gota farta de sonhos esquecidos. De lágrimas caídas ou deixadas de lado. E de vitórias e derrotas que fortalecem as razões que o oceano tem. E que finge guardar segredo.

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