quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Ai, que preguicinha gostosa!

Eu moro em um lugar onde há, na frente, vários arbustos e lindas rosas brancas. Não há nada de mais em minha casa. Ela é comum, mas para mim é muito especial. Ah, desculpe, esqueci de me apresentar. Lá vai: me chamo Doralina, mas pode me chamar de Dora. Sou uma rede para descanso. Perto de minha cabeça encontra-se uma madeira que prende as listras coloridas de minha pele, com curtos barbantes agrupados que servem para garantir a segurança de você, que sempre poderá se divertir comigo. Eu preciso de um amigo. Gostava tanto de quando tinha uma amiga! Ela se chamava Priscila, mas eu a chamava de Pri. Nós brincávamos o tempo inteiro, e ela nunca havia me deixado na mão. Até que, sem mais nem menos, seu pai veio com uma má notícia:
- Priscila! Venha cá agora! Sua mãe e eu precisamos conversar com você.
Nunca havia falado colocando tanta pressão, sendo tão apressado e nervoso. Minha amiga teve que ir correndo, pois estava ansiosa para receber a notícia.
- Não sei nem como explicar, foi muito difícil para eu tomar esta decisão. É o seguinte: precisaremos nos mudar. As condições financeiras aqui em casa não estão muito boas, o aluguel está começando a subir e a vida aqui na cidade exige condições financeiras rigorosas. Papai não está conseguindo levar mais adiante – confessou o pai, com bastante medo da resposta.
Coitadinha, deu-me pena. Para uma criança de quatro anos deveria ser difícil passar por esta situação. Perder seus amiguinhos, colegas, vizinhos... Perder a mim. Mas o que ela podia fazer? Só lhe restava chorar. Tanto sinto sua falta que hoje choro de saudades. Era tão meiga. Lembro de sua delicadeza ao brincar e rir comigo. Tão querida – isso nem se fala – e linda. Ah, como eu sinto saudades daquela menina!
E eu fiquei aqui, sem ninguém para brincar. Eu não tenho amigos. Este novo proprietário da casa tem um filho muito mau. Sem contar que é indelicado e suas mãos sobre mim sempre me machucam. Lembro que tanto reclamei de minha amiga, hoje vejo que nunca tive ninguém melhor que ela em minha vida. Talvez, também, nunca mais terei.
Eu era tão limpinha, tão bem cuidada. Não tinha nenhuma mancha. Era outro motivo para que eu amasse a menininha. Nós combinávamos, éramos vaidosas juntas. Como não tenho como me manter sozinha, todos os dias ela me limpava, colocava perfume e deitava sobre mim, se cobrindo com um quente edredom que aquecia a ambas. 
A inocência fazia seus olhos cintilarem. E adorava, também, me pintar para ter trabalho de limpar depois. Tudo para ela era divertimento.
Um bom tempo se passou, mas eu sempre lembro da humildade daquela criança a quem dediquei todo o meu carinho – hoje vejo que não foi o suficiente. Que coisa, não? Descobri que só damos valor àquilo que amamos no dia em que perdemos tal preciosidade.
Eu vou confiar um segredo a você: O dono da casa resolveu, depois de anos, que queria se livrar logo desta. Estava praticamente abandonada, ninguém se interessava pela compra e nem pelo aluguel. Não lhe dava lucro. Os senhores então negociaram, entre si, por um preço bem viável ao pai de Pri. Para a minha surpresa eles chegaram a um acordo: O pai da menina ficava com a casa, desde que o dono pudesse vir visitar-nos sempre que bem entendesse. Para ser bem sincera, eu acho que o que levou-o a esta decisão foi o brilho que a menina continha em todas as suas expressões, em seus olhares. Mas, principalmente, em sua humildade diante de grandes problemas. A menina, assim como a mim, cativou ao senhor também.
Hoje sou uma rede realizada. Posso dizer que sou quem tem o maior brilho, – depois de Priscila, é claro – pois ela tanto brilha que chega a nos contagiar, chegando ao ponto de brilharmos também.
Acredito que ela também esteja realizada. Como já citei, passou-se bastante tempo – média de sete meses – e ela está até mais bonita. Sinto isso em seu olhar, quando ouço a melhor frase que ela diz para mim todos os dias, depois do almoço:
- Ai, Dora... Que preguicinha gostosa! Deixe-me dormir com a presença de sua companhia?

Com este texto ganhei um Concurso em minha sala de aula.

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